ORCHESTRUTÓPICA
CONCERTO VEDRAS
concerto comentado por António Victorino d'Almeida
25.set.09 – 21h30
Teatro-Cine de Torres Vedras

programa:

A. Victorino d'Almeida
Decateto I Op. 138
Decateto II Op. 143
estreia absoluta

(encomenda Temporada Darcos)

pausa

N. Côrte-Real
Concerto Vedras, op. 14

– Gesta
– Adagio de Fel
– Ilha


E. Carrapatoso
Da Loucura, do Grotesco e da Morte em Peer Gynt
(suite da música para a peça de teatro "Peer Gynt", de H. Ibsen)
1 - A Coroação do Imperador Peer pelos loucos
2 - Mar
3 - Casamento de Ingrid

4 - Fuga
5 - Trolls
6 - Prenúncio da morte de Aase (partida para o mundo)

7 - Peer Gynt no manicómio do Cairo
8 - Prenúncio da morte de Peer
9 - Monólogo da Cebola

OrchestrUtópica
Nuno Côrte-Real – direção musical






Espírito de independência

António Victorino D’Almeida (n.1940), Eurico Carrapatoso (n.1962) e Nuno Côrte-Real (n.1971), apesar de representarem três gerações distintas no contexto da música contemporânea em Portugal, partilham, no entanto um traço inequivocamente comum: o espírito de independência. Afastam-se claramente das retóricas politizadas das vanguardas pós-seriais, recusam os seus dogmas, as suas interdições e os seus excessos, para assumirem abertamente as suas convicções artísticas assentes no princípio da liberdade criativa. E nessa condição de homens sós, assumem o risco de fazer a música que querem, a música em que acreditam, à margem das correntes institucionalizadas e das suas estafadas polémicas, reabilitando os valores perenes da música - a melodia, a harmonia e o ritmo - sem os quais a obra não pode assumir a sua plenitude comunicativa. Apesar da sua música ser necessariamente diferente, pode dizer-se que o estilo destes três compositores, assenta numa mesma relação de abertura em relação à história e ao passado, resultando num ecletismo que encontra na ideia de síntese a resposta para o beco sem saída a que os excessos vanguardistas conduziram a música. Trata-se de reinventar a música dispondo de todo um vasto leque de materiais que a sua história nos legou. E à partida não há materiais mais ou menos legítimos, mais ou menos dignos. É o tipo de intenção, e de organização a que compositor sujeita o material em função da sua intenção expressiva que legitima e dignifica o material. Assim não será estranho encontrar nestes compositores uma abertura a outros mundos sonoros e mesmo às músicas populares.

Victorino D’Almeida é uma figura singular na cultura portuguesa, apesar de ser pouco conhecido pela sua principal atividade, a composição, o que de certo modo confirma a pobreza da nossa vida musical. O seu extenso catálogo abarca praticamente todos os géneros, e revela esse ecletismo estilístico de assimilação e fusão de várias influências, sejam de origem erudita ou popular, e no qual se manifesta o gosto pelo paradoxo, a ironia e o humor. O seu cosmopolitismo musical está bem presente nos 2 Decatetos Op.138, o nº 1 aqui em estreia absoluta, e o nº 2 composto no curtíssimo espaço de uma semana em 2005. Apresentam uma estrutura rapsódica, uma sequência de colagens de diferentes universos sonoros que se sucedem e se sobrepõem, por vezes num ritmo frenético.

Eurico Carrapatoso representa um dos nomes mais importantes da criação atual em Portugal, um estatuto que se reveste de maior valor se pensarmos que foi conquistado por mérito próprio, fora dos círculos académicos e do partidarismo musical, graças à sageza e clareza da sua escrita, à subtileza da sua orquestração, e às qualidades poéticas e líricas da sua música que lograram conquistar o público.
Da loucura, do grotesco e da morte em Peer Gynt, Op.38, é uma suite resultante da música de cena composta para a peça de Ibsen, Peer Gynt, levada a cena no Teatro Aberto em 2001. Esta abordagem à peça de Ibsen constitui um desafio, uma vez que esta se encontra imortalizada pela música de Grieg, um risco que Carrapatoso supera graças à versatilidade da sua escrita e à sua técnica irrepreensível, conseguindo uma obra de grande beleza, na qual, apesar de se perceber a marca inequívoca do compositor português, permanece latente uma ligação subterrânea com o universo sonoro de Grieg.

Nuno Côrte-Real compôs o Concerto Vedras, Op.18, em 2001, num período de grande profusão criativa, período que coincide com o final da estadia na Holanda, após seis longos anos de estudo. As obras deste período traduzem uma libertação relativamente à rotina académica e ao estilo impessoal que aí prevalece, esse estilo em que cada um é o outro e nenhum é si-próprio, e evidencia a afirmação de uma independência criativa e a maturação de um estilo musical próprio. É, de certo modo, uma obra de nostalgia dedicada à cidade onde o compositor cresceu, perpassada por uma atmosfera claro-escuro. A euforia do primeiro andamento, como uma orgia rítmica stravinskiana, conduz ao andamento lento, melancólico, contemplativo, uma notável condução melódica numa textura polifónica que se vai adensando até ao clímax. Por fim o final sereno, vagamente nostálgico e absolutamente luminoso.

Afonso Miranda





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